Em uma fazenda cafeeira do interior do Espírito Santo, através da colheita manual, um colhedor retira dos pés grãos de vez e maduros, enquanto deixa para trás os ainda verdes.
Após um tempo, ao invés de procurar grãos no alto dos arbustos, ele busca no solo pequenos torrões, bloquinhos escuros incrustados de grãos de café sem a polpa.
No fim do dia, todos os colhedores se juntam para conferir quanto desses torrões eles conseguiram encontrar e ficam muito felizes quando atingem uma boa quantidade.
Acontece que os torrões são formados por fezes do jacu, uma ave que parece uma mistura entre galinha e urubu, que não é bem um canário na hora de cantar e foi considerada uma praga pelos cafeicultores da região.
Então, por que os colhedores se animam tanto com café sujo de cocô? Você já vai descobrir.
Mais do que isso, vamos entender como um problema se tornou um verdadeiro tesouro para uma fazenda capixaba: o Café de Jacu.
Cafés exóticos pelo mundo
Antes de entender a história desse café especial e exótico do Brasil, é preciso saber que existem outros tipos de café produzidos a partir do mesmo processo.
Da Tailândia, vem o Black Ivory, produto da digestão de grandes mamíferos. Já a Indonésia apresentou ao mundo o famosíssimo Kopi Luwak Coffee.
Ele ficou conhecido também por ter tido um papel importante no roteiro do filme Antes de Partir (The Bucket List/2007), com Jack Nicholson e Morgan Freeman.
Ambos extremamente raros e extremamente caros. Mais à frente, você vai descobrir quais são as diferenças básicas entre eles e o café jacu.
A partir de agora, conheça a história do café exótico nacional.
A história do café do jacu no Espírito Santo
Quando investiram na plantação de café no interior do estado, os produtores da Fazenda Camocim, em Domingos Martins, nem imaginavam como seria o desenrolar da história.
A cafeicultura é forte em todo o estado do Espírito Santo. Mas, como bem sabemos, fruta em meio à Mata Atlântica atrai aves. E foi assim que eles se viram com um grande problema.
Acontece que o jacu fazia a festa na plantação e não come qualquer grão. Ele escolhe a bico os melhores grãos maduros de café para aproveitar o mel e a polpa. Aliás, o nome vem do Tupi e significa “ave que se alimenta de grãos”.
Além disso, sua presença não agrada todo mundo e, ao invés de cantar melodiosamente, faz um barulho danado que espanta ao invés de atrair.
Na verdade, os produtores chegaram até a buscar ajuda do IBAMA para conter a atividade dos bichinhos. Porém…
Onde a bebida entra nessa história?
Inspirados pela história do exótico Kopi Luwak, os cafeicultores decidiram recolher e testar os grãos digeridos pelos muitos jacus da região. Foi assim que começou a produção do primeiro café exótico feito a partir das fezes das aves no Brasil.
O resultado foi incrível e, o que começou como uma praga, se tornou o cartão de visitas do estado do Espírito Santo e representante de alto padrão do café brasileiro mundo afora.
Afinal, apesar de quase todos os municípios capixabas produzirem café, apenas a Fazenda Camocim possui o café exótico produzido a partir das fezes de um animal.
Qual a diferença entre Café Jacu, Kopi Luwak e Black Ivory?
Basicamente, os três cafés passam pelo mesmo processo no sistema digestivo de algum animal. No entanto, apesar de todos figurarem entre os cafés mais caros do mundo, eles não são a mesma coisa.
O indonésio Kopi Luwak Coffee, por exemplo, é digerido pelo civeta, uma espécie de mamífero carnívoro pequeno, que lembra uma raposinha.
Já o Black Ivory tem origem na Tailândia e o animal envolvido na produção do café é o elefante, que é herbívoro.
Ao comparar a estrutura de aves, mamíferos carnívoros e herbívoros, é possível notar que cada um possui um sistema digestivo completamente diferente dos outros.
A digestão do carnívoro civeta, por exemplo, é rápida mas só começa no estômago. Por outro lado, a digestão nos elefantes começa na boca, porém, é mais lenta.
No caso do jacu, seu processo digestivo é ainda mais veloz que o do civeta. E com um detalhe: os grãos de café são engolidos inteiros.
Certo. Mas, o que isso significa?
Como a espécie dos animais afeta o resultado nos cafés exóticos?
O tempo de exposição aos ácidos e enzimas em cada sistema digestivo acaba fermentando os grãos de café de formas diferentes. Por isso, o Kopi Luwak costuma ser suave, sem muita acidez.
Já no Black Ivory, os grãos são processados com outras frutas ingeridas pelos elefantes. Durante a lenta fermentação (dura cerca de 30 horas) o café absorve aromas frutados e doces e perde grande parte da sua acidez.
Com o café do jacu a história é diferente. Afinal, a digestão das aves é bem mais rápida, o que permite que os grãos mantenham a acidez mais alta. Como resultado, o produtor tem um café encorpado, ácido e doce.
Quanto custa o café jacu?
Atualmente, no quilo do café orgânico da Fazenda Camocim, que leva o nome de Jacu Bird Coffee, você deve pagar cerca de R$980,00.
Custa caro? Depende. Quando comparado com o preço de um café comum, de mercado, é caro. No entanto, diversos fatores sobre o café jacu justificam o alto preço da iguaria. A seguir, vamos entender alguns deles.
Seleção natural dos grãos de café
Diferente dos cafés comuns e especiais, que contam com a seleção manual dos grãos, o Jacu Bird Coffee tem os grãos selecionados pelas aves que deles se alimentam. Os observadores dizem que eles são atraídos pela forte cor vermelha dos frutos bem maduros.
O fabricante afirma que isso faz com que o produto seja um blend natural dos melhores grãos orgânicos e biodinâmicos cultivados na fazenda.
Por falar nisso, os cafés biodinâmicos são produzidos utilizando da melhor forma recursos naturais e com o mínimo de intervenção de máquinas e homem, o que também encarece o produto.
Colheita diferenciada
Esforços direcionados são feitos para garantir que a maior quantidade possível de grãos seja encontrada durante a colheita. Afinal de contas, o jacu vai ao banheiro onde bem entende.
Assim, os produtores costumam procurar as árvores onde as aves dormem e defecam. Os colhedores também redobram a atenção e separam parte do tempo para realizar o processo que descrevemos lá no início, buscando os pequenos bloquinhos de cocô próximos aos pés de café.
Ou seja, o trabalho é minucioso e leva bastante tempo.
Exclusividade
Não é possível prever quanto café será produzido a cada ano. Tudo depende do comportamento das aves na Mata Atlântica. Por isso, de uma colheita para outra tudo pode mudar, desde a quantidade até os aromas que o café traz.
Sem contar que não é em todo lugar que os pássaros processam o café e o produto acaba no mercado. Daqui a pouco, vamos falar sobre onde encontrar o café Jacu Bird.
Segurança e qualidade
Para garantir que os produtos cheguem aos clientes prontos para uso, os grãos são muito bem lavados, secos, selecionados e torrados. Então, é completamente seguro consumir o café do jacu.
Além disso, sua alta qualidade é inegável, recebendo notas altíssimas de avaliadores de sabor e qualidade.
Animais não são mantidos em cativeiro
Em 2013, a BBC causou um alvoroço ao enviar repórteres disfarçados às fazendas de café em Sumatra. Lá, a equipe encontrou civetas em cativeiro, exploradas para a produção do raro café.
Apesar dos maiores fornecedores para grandes lojas no mercado negarem a atividade, esse episódio causou o bloqueio do produto em diversos países.
Em contrapartida, os jacus capixabas são aves completamente livres e imprevisíveis. Isso limita a quantidade de café recolhida mas também eleva a qualidade do produto, já que as aves não sofrem nenhum estresse no processo de produção.
Onde encontrar e como comprar café de jacu
Segundo o Sumário Executivo do Café de 2022, o Brasil é o maior produtor de café do mundo, colhendo e exportando mais de 55 milhões de sacas anualmente.
Diversas regiões se destacam na produção de excelentes cafés, especiais, premiados e reconhecidos por todo o planeta.
Mas o café exótico que ganha o toque especial do jacu só é produzido na Fazenda Camocim, em Domingos Martins, no Espírito Santo.
E, como vimos, todo o processo é completamente natural e espontâneo, dependendo apenas das aves e da saúde ambiental. Por isso, o café do jacu não está em qualquer prateleira por aí.
Ele é raro e considerado o café mais caro do Brasil e figura entre os 10 mais caros do mundo, mas é possível encontrá-lo em algumas lojas especializadas em São Paulo.
No site oficial da Fazenda Camocim você pode comprar por quilo, 100 gramas, 250 gramas (na lata ou em embalagem simples) e em cápsulas.
Café do Jacu – Vale a pena?
Assim como no universo da vitivinicultura, quando o assunto é café, tudo depende do paladar de quem está provando.
Se a pessoa entende a grandiosidade do produto e dá valor para o processo que o leva até ali, expressando notas e sabores próprios na sua xícara, sim! Vale muito a pena.
Mas, na realidade, o café não é só raro. Ele é bom mesmo. O gosto é bom, tem presença, preenche e deixa um sabor agradável na boca.
Então, para quem quer ter a experiência de provar o café do jacu, vale investir sem medo de errar e degustar com calma essa delícia. Afinal, não é todo dia que pássaros silvestres escolhem os grãos do blend para você, não é mesmo?